sexta-feira, 15 de novembro de 2013

3. Albano Neves e Sousa

Aguarela / 49x33 cm / 2.000,00 €

Neves e Sousa
o pintor de Angola

“Angola nos deu tanta e tanta coisa boa, fundamental para a formação do povo brasileiro, para o que hoje somos! Deu-nos sangue, o bom sangue negro de Angola, deu-nos dança e canto, deuses trazidos da floresta, a obstinada disposição de luta, e invencível e livre capacidade de rir e de viver. Somos tão angolanos como quem mais o seja - Bahia e Luanda são cidades irmãs.
Não contente, Angola vem de nos legar, nas confusões do nosso tempo incerto, o pintor Neves e Sousa. Pintor de Angola, de sua paisagem poderosa, de sua poderosa gente, dos costumes, da magia e da realidade — ele tocou com seu lápis ou com seu pincel cada momento e cada detalhe do país e do povo. O sol de Angola imprimiu a cor definitiva da sua paleta.

Não posso senti-lo estrangeiro sob o sol da Bahia, as cores são idênticas, muitos dos nossos hábitos vieram de lá. Na beleza das mulheres há um toque de dengue angolano, na força e na esperança dos homens descortino a decisão da gente de África. Neves e Sousa, encontra aqui a irmandade dos países que têm em comum, além da língua, alguns bens decisivos de suas culturas nacionais. Não é estrangeiro no Brasil o artista de Angola.
Sob o sol da Bahia, Neves e Sousa prossegue a sua obra admirável e a leva aos quatro cantos do continente brasileiro, pois é andejo de natureza esse mestre pintor de árvores e bichos, de homens e deuses.”
Jorge Amado

Poeta e pintor português, Albano Silvino Gama de Carvalho das Neves e Sousa nasceu em 1921, em Matosinhos, e faleceu em 1995, em São Salvador da Baía, no Brasil.

Desde muito cedo foi viver para Angola e, depois de 1975, para o Brasil. Cursou pintura na Escola Superior de Belas-Artes, no Porto, vindo a pintar temáticas africanas e temáticas locais angolanas. Visitou vários países como Cabo verde, Guiné, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
Publicou livros de poesia, como Motivos Angolanos (1946), Mahamba. Poesias 1943-1949 (1949), Muênho (1968), entre outros, e está incluído em algumas antologias, tal como Antologia Poética Angolana (1963), Presença do Arquipélago de S. Tomé e Príncipe na Moderna Cultura Portuguesa (1968) e Angolana (1974).
Recebeu, em 1963, a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique pelo Governo de Portugal, em 1970, a Honorary Mention - International Design Exhibition, em Rijeka (Jugoslávia), em 1974, em Naples, na Itália, a medalha de ouro de Designers da Academia Ponzen e, em 1993, de novo pelo Governo português, a Comenda da Ordem de Mérito.
Algumas das obras picturais do "pintor angolano", como é conhecido, podem ser vistas em várias exposições e no Hospital Português da Bahia (Brasil).

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Para além dos quadros e quadras

Para além dos seus quadros e da poesia, Albano Neves e Sousa foi, sem dúvida, notável em vários outros campos de actividade. Temos a esperança de que a partir da Casa Neves e Sousa se faça um trabalho de inventariação — que será, obviamente, sempre incompleto — do que foi a sua acção no registo do quotidiano e dos povos e paisagens que ele nos queria deixar.

O rigor do seu desenho impressiona. Há mesmo quem considere que os seus desenhos estão a par das suas aguarelas, e nós sabemos bem como elas eram apreciadas, por exemplo, em Espanha. E temos de reconhecer como notável a facilidade com que ele registava as coisas mais simples, descobrindo nelas o seu lado mais belo.

Dotado de um grande sentido de oportunidade, a ironia das suas caricaturas provocam em nós um sentimento de cumplicidade. Não era fácil tomar-se uma refeição com o Albano sem partirmos com um ou dois desenhos (em papel, no guardanapo ou num prato…) que os seus amigos guardam com veneração…

Divertia-o esse seu lado de “menino marotão” e assim gostava também de se identificar.

Ficaram como verdadeiros marcos alguns dos seus painéis… Desde logo o grande mural do Aeroporto Internacional de Luanda. É uma peça monumental de 345m2 em grafite, que homenageia os povos e etnias de Angola. Era a primeira imagem de Angola para muitos dos que chegavam a Luanda.

Muitos edifícios públicos e particulares tinham nas suas áreas públicas (comuns) a “marca” Neves e Sousa. Alguns desses trabalhos já não existem (Grande Hotel da Huila / Lubango, Hotel Terminus / Lobito…), mas doutros conseguimos trazer registo para este livro. É o caso do painel do Hotel dos Navegantes, no Lobito (que foi reabilitado em 1989 por iniciativa da União dos Artistas Plásticos de Angola) e dos 6 “quadros de parede” do Hotel Universo, em Luanda. Albano Neves e Sousa tinha uma relação muito especial com o dono desse Hotel – um galego, Manuel Trigo Gonzales – e foi comensal durante anos do Hotel. Dizem-me que os quadros foram parte do pagamento na forma preferida por Manuel Trigo, um grande apreciador da sua arte.

Ainda no capítulo das decorações murais, há a assinalar um trabalho na Aerogare do Aeroporto da Praia (um grande quadro de parede representando uma praia da Ilha de Santiago) e um trabalho (magnífico) no Palácio Presidencial, em S. Tomé, (um tríptico no patamar da escadaria principal, representando cenas do quotidiano de S. Tomé e Príncipe) que serviu de motivo para uma nota daquele país africano.

Albano Neves e Sousa ilustrou muitos livros com as suas “vinhetas”. Destacamos o trabalho que efectuou para o livro do Dr. António Videira, outro símbolo da Angola dos anos 50 e 60. E são da sua autoria as capas de muitos livros tratando, sobretudo, de temática africana. Por exemplo, dos livros de Reis Ventura. É curioso notar que uma série de livros saídos recentemente sobre Angola, continuam a usar trabalhos de Neves e Sousa como marca identificativa. É o caso dos recentes trabalhos do Dr. Costa Oliveira, antigo Secretário Provincial da Economia de Angola, e do escritor Oliveira Pinto.

É também da sua autoria o símbolo da TAAG. A palanca negra idealizada por Neves e Sousa é, desde há quase 40 anos, a imagem da transportadora aérea nacional angolana.

E quem visita o Museu de História Natural de Angola (ex-Museu de Angola) ficará maravilhado com os "painéis" que Neves e Sousa idealizou para enquadrar os animais embalsamados que lá se encontram.

E poderíamos prolongar as nossas referências a calendários, desenhos para cerâmica, etc., mas faremos apenas uma referência final à sua presença no mundo dos selos. Milhões de pessoas tiveram a ocasião de admirar os seus desenhos através dos selos que ele desenhou. E não apenas para Angola. De Angola o "Selo do Povoamento", os "Selos da Assistência" onde um dos seus filhos é retratado, a série da Welwitchia Mirabilis, os selos da "Série comemorativa dos 75 anos do Hospital Maria Pia". E, sobretudo, são inteiramente "ele", os selos dessa espantosa série de 1959, “Tipos Indígenas”, de que deixamos alguns exemplares para registo.

Não deve ter sido fácil para Neves e Sousa, que detinha um conhecimento único dos povos e etnias de Angola, seleccionar apenas doze para integrarem a série "Tipos indígenas", ou seja, uma ínfima parte do "cadinho" dos povos de Angola.

Reproduziu nas suas cores o que desenhou, como o testemunham as pessoas que conheciam bem as respectivas regiões.

O selo de $05 representa um soba de Malange, com o seu barrete em forma de chifres, mais ou menos longos, consoante a sua dignidade e hierarquia. O selo de $10 mostra um tocador de flauta do planalto do Bié. O selo de $15 representa trajes característicos da Região dos Dembos. O selo de $20 representa um bailarino kissama, da região do Kwanza, armado dum “javite” (pequeno machado) e de um rabo de antílope que agita num ritual, simbolizando a caça antes e depois de abatida. O selo de $30 mostra um casal da Região do Bailundo, com os seus trajes característicos. O selo de $40 representa um dançarino do Bocoio, região próxima do Lobito. O selo de $50 mostra uma mulher kissama, habitante do que era uma rica região de caça a poucas dezenas de quilómetros de Luanda. O selo de $80 mostra uma orgulhosa mulher kwanhama. O selo de 1$50 representa uma mulher de luto de Luanda. Está envolta nos seus panos pretos e na cabeça usa uma espécie de turbante, sustentado por um canudo de cartão, que segura na cabeça e é coberto pelo pano. É uma indumentária em regressão. O selo de 2$50 representa um bailarino da região do Bocoio, com frutos secos nas mãos, e cujo chocalhar das sementes marca o ritmo da dança. O selo de 4$00 representa um muquixe do Moxico, com a máscara que é usada em certas cerimónias em que esconjura os maus espíritos. Finalmente, o selo de 10$00 mostra um soba de Cabinda.

Quantos de nós não tiveram, através dos seus selos, o primeiro contacto com a viúva de Luanda, o dançarino do Bocoio ou o muquixe do Moxico? Eu fui um deles.

Obrigado Albano! 

Miguel Anacoreta Correia

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